Percebe-se hoje uma crescente febre no mercado fitness pelo que chama-se Crossfit. Para quem não conhece ainda, trata-se de um treinamento não tradicional, que não possui intenção de trabalhar de forma específica. Seu criador, o treinador Greg Glassman, fundamentou a metodologia em três pilares: variação, intensidade e funcionalidade. Além disso, há uma rotina de treino diversificada. Ou seja, o indivíduo vai treinar sem saber como será a sessão de treino, o chamado "Work of day" (WOD).
Deve-se lembrar que Greg baseou sua metodologia empiricamente, através de suas observações na prática. Isso remete a sua adolescência, onde tinha alguns conflitos com o pai (um pesquisador), com o qual qualquer discussão formal tornava um debate acadêmico.
Pelo empirismo, questiona-se a segurança. Um recente estudo reportou a incidência de 20% de lesões entre os praticantes de Crossfit (Weisenthal, 2014). As lesões se concentraram nos ombros, lombar e joelhos. Hak e colaboradores observaram uma incidência de 3,1 lesões a cada 1000 horas de treino. Para efeitos de comparação, no estudo de Siewe e colaboradores (2014), o índice de lesões entre fisiculturistas de elite (não recreacionais, como a maioria das pessoas) foi de 0,24 a cada 1000 horas de treino.
Partridge e colaboradores observaram um ambiente motivacional, com diferença entre os gêneros. Os homens se motivavam pelo treinamento através da competição; as mulheres, pela auto superação, de irem melhores a cada treino. Após 6 meses de treinamento, independente do gênero, ambos se motivavam pela questão competitiva. Obviamente, isso se torna um fator importante motivacional. Porém, a preocupação seria se essa motivação competitiva não poderia afetar a técnica de execução dos exercícios.
Com relação ao estresse oxidativo, Kliszczewicz e colaboradores (2015) não demonstraram diferenças entre o Crossfit e um treino aeróbico tradicional em esteira.
Houve também um caso famoso descrito na literatura de rabdomiólise (alta concentração sanguínea de creatina quinase, sinalizando excesso de estresse muscular; podendo levar a complicações metabólicas severas, incluindo lesão renal aguda) num praticante de crossfit (Hadeed e colaboradores, 2011). O paciente tinha 33 anos e deu entrada no hospital após uma sessão de treino Crossfit. O mesmo já vinha apresentando falta de ar, fraqueza muscular e distúrbios de sono. Os valores de creatina quinase ficaram em 26000 IU/L, enquanto os valores normais ficam abaixo de 200 IU/L. Em seis dias, o paciente teve alta do hospital e retornou aos treinos 4 meses sob orientação profissional.
Quanto à eficácia? Ainda há dados escassos na literatura sobre a eficácia. No estudo de Smith e colaboradores (2013), houve aumento no consumo máximo de oxigênio e perda de gordura. Uma das limitações desse estudo foi o fato da amostra ter sido submetida à dieta do Paleolítico sem algum grupo controle, dificultando mensurar os efeitos de cada uma das variáveis separadamente.
Eather e colaboradores (2015) avaliaram adolescentes e observaram perda da circunferência abdominal, diminuição do índice de massa corporal, melhora da capacidade cardiorrespiratória e muscular. Como as medidas de aptidão física nesse estudo foram a partir de testes indiretos e não houve mensuração da composição corporal, ainda faltam estudos que avaliem essas variáveis através de métodos padrão-ouro e com grupos controle, a fim de analisarmos mais precisamente a eficácia da metodologia Crossfit.
Minha maior crítica à metologia refere-se ao fato de não haver periodização, controle, planejamento e variação de cargas, tempo sob tensão. O fato de cada sessão de treino ser diferente, é ótimo e constitui-se num fator motivacional. Porém, metabolicamente falando, não há um planejamento. Além de se trabalhar intensamente o corpo inteiro em cada sessão, fica a dúvida se há recuperação muscular eficiente quando se realiza a sessão seguinte de treinamento, podendo levar a um quadro de sobretreinamento (overtraining - clique para saber mais:
1,
2,
3) e possíveis lesões (em casos mais graves, rabdomiólise). Como treinador, sou a favor e utilizo diversos movimentos que se utilizam no Crossfit. Porém, nem todas pessoas possuem técnica e estrutura corporal para realizar alguns movimentos complexos até a fadiga total, não tendo realizado um treinamento de base. Em alguns casos, a técnica pode ser prejudicada.
Estou dizendo que o Crossfit é ruim? Não, pelo contrário. Também utilizo algumas bases que ele também utiliza. Pela motivação, algumas pessoas passam a realmente treinar intensamente e, claro, passam a obter o resultado que não conseguiam com a musculação, por exemplo (mas, se treinassem tão intensamente na musculação, poderiam ter o mesmo resultado). Minhas críticas remetem à questão de periodizar o treino e à recuperação muscular, justamente os fatores que podem acentuar o índice de lesões. Como toda metodologia, ainda mais feita empiricamente, está passível de críticas e ajustes.
Referências:
Eather N, Morgan PJ, Lubans DR. Improving health-related fitness in adolescents: the CrossFit Teens™ randomised controlled trial. J Sports Sci. 2015 May 14:1-15.
Hadeed, M.J., Kuehl, K.S., Elliot, D.L., Sleigh, A. Exertional Rhabdomyolysis after Crossfit exercise Program. Medicine and Science in Sports and exercise, 2011 43(5):224-225.
Hak, P.T., Hodzovic, E., Hickey, B. The nature and prevalence of injury during Crossfit training. Journal of strenght and conditioning research. 2013.
Kliszczewicz B, Quindry CJ, Blessing LD, Oliver DG, Esco RM, Taylor JK. Acute Exercise and Oxidative Stress: CrossFit(™) vs. Treadmill Bout. J Hum Kinet. 2015 Oct 14;47:81-90.
Partridge, Julie A., Bobbi A. Knapp, Brittany D. Massengale. An investigation of motivational variabçes in Crossfit and weight trained individuals. Medicine and science in sports and exercise, 45(5):530.
Siewe J, Marx G, Knöll P, Eysel P, Zarghooni K, Graf M, Herren C, Sobottke R, Michael J. Injury Rate and Patterns Among CrossFit Athletes. Orthop J Sports Med. 2014 Apr 25;2(4):232.
Smith, Michael M., et al. Crossfit-based high intensity power training improves maximal aerobic fitness and body composition. The Journal of Strength and Conditioning research, 2013 27(11):3159-3172.
Weisenthal BM, Beck C.A., Maloney, DeHaven KE, Giordano BD. Injuries and overuse syndromes in competitive and elite bodybuilding. Int J Sports Med. 2014 Oct;35(11):943-8. doi: 10.1055/s-0034-1367049. Epub 2014 Jun 2.