terça-feira, 8 de março de 2016

Fadiga central e BCAAs

Além dos benefícios conhecidos no estímulo a síntese proteica (clique aqui: 1, 2, 3), os aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs) são recomendados para retardar a fadiga central. E por quê? Com o exercício, há o aumento dos ácidos graxos livres na corrente sanguínea (causado pela lipólise no tecido adiposo). Esses competem com o triptofano ligado à albumina, forçando a um aumento do triptofano na circulação. Ele então ultrapassa a barreira hematoencefálica no cérebro e é convertido a serotonina. A serotonina provoca relaxamento e um alerta no cérebro para cessar a atividade física. Os BCAAs competem com o triptofano pelo transportador na barreira hematoencefálica , diminuindo a entrada de triptofano e, consequentemente, a produção de serotonina,
O SNC possui um papel importante na produção de força. Por exemplo, em indivíduos que iniciam treinamento resistido, os aumentos de força iniciais são muito superiores aos ganhos em massa muscular, indicando uma grande participação dos fatores neurológicos de produção de força nessa fase. Durante as sessões de treino resistido, além da fadiga periférica (depleção de substratos energéticos), há a  fadiga central.


Parece que a depleção de acetilcolina não desempenha papel importante (ela não é completamente depletada e os impulsos nervosos não são bloqueados na junção neuromuscular) (Adam e colaboradores, 2015). O que nos leva a conclusão de que a fadiga central realmente ocorra nas estruturas superiores (córtex pre-frontal, córtex motor, gânglios da base e cerebelo), que são responsáveis pela iniciação e modulação do padrão do movimento (Green, 1997). Há diversas outras substâncias envolvidas na fadiga central, como amônia, óxido nítrico, guanilil ciclase, guanosina cíclica 3,5 monofosfato, entre outras. Como a grande maioria dos estudos envolvendo a produção de serotonina são feitos em exercícios aeróbicos e esse mecanismo demora um pouco mais para atuar, além do substrato energético durante os treinos resistidos não seja predominantemente ácidos graxos, contesta-se o uso de BCAAs no sentido de postergar a fadiga central (vejam bem, não estamos falando de estímulo a síntese proteica). 
A explicação sobre a fadiga central utilizando a produção de serotonina faz sentido em exercícios aeróbicos, onde a mobilização de ácidos graxos como fonte energética faz com que sua concentração aumente na corrente sanguínea durante o exercício. Além disso, por geralmente terem uma duração maior, há tempo para que se sintam os efeitos da serotonina. Treinos resistidos depletam fofocreatina e glicogênio musculares principalmente. Devido a isso, outros mecanismos devem estar relacionados a fadiga central (Adam e colaboradores, 2015),

Referências

Adam Zając, Małgorzata Chalimoniuk, Adam Maszczyk, Artur Gołaś, Józef Lngfortl. Central and Peripheral Fatigue During Resistance Exercise – A Critical Review.  Journal of Human Kinetics vol. 49/2015 in December 2015.

Green HJ. Mechanisms of muscle fatigue in intense exercise. J Sports Sci, 1997; 15: 247-258. 

sexta-feira, 4 de março de 2016

Fadiga Central x Periférica


O maior objetivo dos treinos resistidos (musculação) é o estímulo a adaptações estruturais e funcionais no organismo para melhorar a performance num esporte específico ou promover melhoras na saúde (Adams e colaboradores, 2004). As adaptações aos treinos resistidos ocorrem na recuperação que, se inadequada, pode causar uma fadiga residual, fazendo com que o atleta não alcance a fase de supercompensação após o treino. Quando isso ocorre de forma sistemática, pode levar o atleta ao overtraining (já discutido aqui no blog, parte 01, 02, 03), que é um estado de estresse suprafisiológico ou a incapacidade de adaptação ao treinamento e aumento do desempenho. Em casos extremos pode levar ao que chamamos de Síndrome do Overtraining. A Síndrome do Overtraining é expressada como a inabilidade de treinar intensamente e pode ocorrer sob duas formas clínicas: excitação (forma simpática) ou inibição (forma parassimpática), dependendo do tipo de exercício aplicado (Gandevia, 2001; Enoka & Duchateaus, 2008).


Assim como no treino resistido alguns autores dividem os estímulos em tensionais (maior carga e tempo de tensão menor - número menor de repetições) ou metabólicos (carga menor e tempo de tensão maior), a fadiga pode ser central (Sistema Nervoso Central - quando o cérebro manda um sinal para cessar o exercício) ou periférica (metabólica, com a depleção dos estoques energéticos e acumulação de sub-produtos das contrações musculares - quando se sente a musculatura fadigada) (Finsterer, 2012). Fadiga central e periférica também pode ocorrer nos exercícios aeróbicos. A periférica por depleção de substrato energético muscular; a central por incapacidade de captação e utilização e metabolização do oxigênio captado em intensidades máximas; ou pela produção de serotonina no cérebro em exercícios prolongados).
Os treinos tensionais focariam num aumento de força por adaptações neurológicas e levaria a um aumento do conteúdo proteico no tecido muscular. Os treinos metabólicos aumentariam a resistência de força, a tolerância à acidose metabólica e o conteúdo de glicogênio (e água) muscular.
Seja nos estímulos tensionais como metabólicos, a literatura tem mostrado similares pertubações intramusculares pós-exercício (indicando que não há como isolar cada tipo de treino, apenas dar ênfase em cada fase do treinamento), como depleção de glicogênio intramuscular, fosfocreatina e ATP e aumento de fosfato inorgânico e íons hidrogênio (esse sim causador da fadiga, não o lactato propriamente dito). (Takada e cols, 2012). Especialmente quando a intensidade do exercício alcança ou chega perto das repetições máximas (Tesch e cols, 1986). 
Conhecer os tipos de fadiga e estímulos no treinamento são de extrema importância tanto para realizar a periodização, estabelecer objetivos e uma recuperação adequada ao treinamento quanto estabelecer uma rotina de alimentação e suplementação adequados.

Referências

Adams GR, Cheng DC, Haddad F Baldwin KM. Skeletal muscle hypertrophy in response to isometric, lengthening, and shortening training bouts of equivalent duration. J Appl Physiol, 2004; 96: 1613-1618.

Enoca RM, Duchateau J. Muscle fatigue: what, why and how it influences muscle function. J Physiol, 2008; 586: 11-23.  

Finsterer J. Biomarkers of peripherial muscle fatigue during exercise. BMC Musculoskeletal Disord, 2012; 13: 2018. 

Gandevia SC. Spinal and supraspinal factors in human muscle fatigue. Physiol Rev, 2001; 81: 1725-1789.

Takada S, Okita K, Suga T, Omokawa M, Kadoguchi T, Sato T, Takahashi M, Yokota T, Hirabayashi K, Morita N, Horiuchi M, Kinugawa S, Tsutsui H. Low-intensity exercise can increase muscle mass and strength proportionally to enhanced metabolic stress under ischemic conditions. J Appl Physiol, 2012; 113: 199-205.

Tesch PA, Colliander EB, Kaiser P. Muscle metabolism during intense, heavy-resistance exercise. Eur J Appl Physiol Occup Physiol, 1986; 55: 362-366. 

terça-feira, 1 de março de 2016

Por que a patela é importante?

A patela é um osso sesamóide, de formato triangular, localizado na parte anterior do joelho. Possui no pólo superior a inserção da musculatura anterior da coxa (quadríceps) e no pólo distal, a origem do ligamento patelar. Além de proteger as estruturas internas, atua como uma roldana, potencializando a força do quadríceps na extensão do joelho, aumentando seu torque mecânico.
Há alguns anos, quando não se sabia sua função, era mais constante retirar a patela quando a mesma apresentava algum problema. Atualmente, apenas em último caso.

Olhem esse gif animado sobre a função da patela e, logo após, o vídeo:




terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Bíceps Scott e risco de lesão com a "roubadinha"


O músculo bíceps braquial possui duas cabeças, com duas origens. A porção longa se origina no tubérculo supraglenoidal; a curta, no processo coracóide. Sua inserção é na tuberosidade do rádio. Possuindo como função a flexão do cotovelo e auxilia a supinação. Devido seus pontos de origem, algumas maneiras de fazer certos exercícios requerem cuidado, sobretudo quando as pessoas insistem em colocar mais peso do que deveriam. 


Primeiramente, gostaria que o leitor entendesse que, para um treino de hipertrofia, deve-se estressar a musculatura ao máximo. E, muitas vezes, com a técnica de execução prejudicada devido a uma sobrecarga, embora a carga externa seja maior, a que chega ao músculo pode ser menor. 
Vamos ver esse vídeo sobre a execução do "bíceps scott". O objetivo do exercício é isolar ao máximo possível a flexão do cotovelo, mas obviamente algumas pessoas inventam de compensar com o ombro. ERRADO. Além de diminuir a amplitude de movimento do que interessa (flexão de cotovelo), há um sério risco de lesão, especialmente na inserção da cabeça longa do bíceps. 
Portanto, parem de querer treinar para os outros. Treinem para si.
Parabéns Muscle & Motion pelo vídeo.


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Pilates é realmente eficiente para dor lombar?

No segmento fitness, sempre aparecem métodos que se auto-proclamam eficientes para determinado nicho. Já falei aqui sobre treinamento funcional com kettlebells, Crossfit e agora vamos falar sobre o Pilates. Mais especificamente sobre seus "poderes" sobre dores lombares.
Para os leigos, meta-análise é, basicamente, quando um pesquisador utiliza resultados de diversos estudos, normalmente com uma população de perfil semelhante e, através de análises estatísticas, chegam a uma conclusão. Esse método é muito interessante quando se utilizam dados de diferentes populações e localidades, ou quando os estudos sobre determinado assunto possuem uma amostra reduzida.


Entendido isso, vamos para duas meta-análises. Em 2012, Pereira e colaboradores demonstraram que o método Pilates não apresentou melhoras superiores em relação a outros exercícios de estabilização lombar, tanto na dor quanto na funcionalidade da região. E ainda assim os pesquisadores chamaram atenção para a baixa qualidade das evidências.
Em 2015, Yamato e colaboradores realizaram outra meta-análise, igualmente chamando atenção para a qualidade das evidências dos estudos, indo de baixa a moderada. Os autores concluíram que o método Pilates possui algum efeito na melhora da dor lombar em relação a intervenções mínimas, mas ainda não é claro sua maior efetividade em relação a outros tipos de exercícios.
Como eu disse, no fitness sempre aparecem métodos prometendo milagres. Qualquer atividade física é melhor que nada, claro. Mas, em alguns casos, há a necessidade de um trabalho mais intenso de acordo com a necessidade do paciente. Não vamos prescrever exercícios de acordo com o "senso comum", mas baseados em evidências.

Referências

Yamato TP, Maher CG, Saragiotto BT, Hancock MJ, Ostelo RW, Cabral CM, Costa LC, Costa LO. Pilates for Low Back Pain: Complete Republication of a Cochrane Review. Spine (Phila Pa 1976). 2015 Dec 14. 

Pereira LM, Obara K, Dias JM, Menacho MO, Guariglia DA, Schiavoni D, Pereira HM, Cardoso JR. Comparing the Pilates method with no exercise or lumbar stabilization for pain and functionality in patients with chronic low back pain: systematic review and meta-analysis. Clin Rehabil. 2012 Jan;26(1):10-20. . 

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Ativação muscular e instrução profissional

A presença de um profissional de educação física, formado, não se torna importante apenas na formulação de uma periodização eficiente, a fim de evitar lesões e sobretreinamento, melhores resultados, dedicação maior do aluno, entre outros. Mas também na própria ativação muscular durante um treino de musculação. Sim!



O estudo de Snyder e Leech (2012) avaliou mulheres sedentárias, sem experiência no treino resistido com pesos nas seguintes situações durante o exercício puxada alta pela frente: 

1 - Com apenas as instruções básicas, pediram para elas executarem, sob avaliação eletromiográfica (mede a atividade do músculo). 

2 - Após um intervalo, foram dadas as seguintes instruções: que concentrassem o movimento na adução do ombros, ao invés de simplesmente puxarem a barra; foi falado sobre o músculo em questão (grande dorsal), que inclusive foi tocado. 

Após as instruções, a amostra executou novamente o exercício e houve maior ativação do grande dorsal, sem alterações no bíceps braquial.
Observo isso constantemente nas academias. Boa parte dos praticantes não sabem treinar dorsais! Basta ver o padrão de execução, principalmente na ânsia de colocarem mais peso, comprometem a ativação do músculo alvo e a amplitude de movimento.

Referência
Snyder BJ, Leech JR. Voluntary increase in latissimus dorsi muscle activity during the lat pull-down following expert instruction. J Strength Cond Res. 2009 Nov;23(8):2204-9. 

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

BCAAs conservam a massa magra durante a perda de gordura


Começamos o ano com uma publicação muito interessante e que venho insistido no blog, que é papel dos aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs, especialmente a leucina) no ganho de massa muscular ou sua manutenção no processo de emagrecimento.
O estudo de Dudgeon e colaboradores (2016), recém publicado, dividiu a amostra em dois grupos, ambos submetidos a uma dieta hipocalórica, em suplementados com carboidrato pós-treino (CHO) versus suplementados com aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA). Após 8 semanas de treino de força (musculação), ambos os grupos perderam gordura, mas o grupo BCAA manteve a massa muscular. Nos testes de força máxima, ambos os grupos aumentaram o desempenho no agachamento, ressaltando os ganhos adicionais do grupo BCAA. Na força máxima no exercício supino, o grupo CHO apresentou queda de desempenho, enquanto o grupo BCAA aumentou. No teste de resistência a fadiga, ambos os grupos obtiveram melhoras.


Quando eu ressalto o papel da leucina nesse processo, é devido sua atuação no estímulo à síntese proteica, inclusive sobre os outros BCAAs (isoleucina e valina). Como exemplo cito o estudo de Churchward-Venne e colaboradores (2014), onde o acréscimo dos outros BCAAs não estimularam de forma adicional a síntese proteica em relação à leucina sozinha.

Referências

Churchward-Venne, T. A., Breen, L., Di Donato, D. M., Hector, A. J., Mitchell, C. J., Moore, D. R., et al. (2014). Leucine supplementation of a low-protein mixed macronutrient beverage enhances myofibrillar protein synthesis in young men: a double-blind, randomized trial1-3. Am. J. Clin. Nutr. 99, 276–286

Dudgeon WD, Kelley EP, Scheett TP. In a single-blind, matched group design: branched-chain amino acid supplementation and resistance training maintains lean body mass during a caloric restricted diet. J Int Soc Sports Nutr. 2016 Jan 5;13:1.