terça-feira, 3 de abril de 2018

Volume de treino e as adaptações em intensidades diferentes


Um interessante artigo, recentemente publicado, comparou o efeito do treino de força em diferentes intensidades (20%, 40%, 60% e 80% RM) e mesmo volume na massa e força musculares. Foram aplicados exercícios de flexão de cotovelos e pressão de pernas 45 graus. Para diminuir a variabilidade biológica nos resultados, foi aplicado a carga de 20%RM num lado e no contralateral, foram aplicadas as cargas de 40, 60 e 80%RM, escolhidas aleatoriamente. O volume do treino foi equalizado para todas as cargas.
Os aumentos no tamanho muscular foram similares nos grupos de 40, 60 e 80%RM. O grupo de 20% RM foi inferior. A força muscular foi maior no grupo a 80% RM. O grupo de 60% RM apresentou maior aumento de força em relação aos grupos de 40 e 20% RM.


Como era de se esperar, o aumento de força se tornou mais efetivo em maiores intensidades. Cargas mais altas promovem maior recrutamento de unidades motoras, frequência de disparo elétrico e sincronização entre as musculaturas agonistas-antagonistas.
No que se refere à hipertrofia muscular, observamos que há uma intensidade limite para otimizar os resultados. Intensidades muito baixas provocam adaptações, mas não o suficiente quando o volume é equalizado (muitos estudos comparando intensidades , utilizaram volume de treino maior nas intensidades menores). E, a partir dessa intensidade, o volume de treino se mostra uma variável extremamente importante. Tanto que, quando equalizado, igualou a magnitude das adaptações. 
Mais uma vez, o volume de treino se mostra uma das variáveis mais importantes nas adaptações morfológicas no tecido muscular. Mesmo que alguns tentem vender como desnecessária. 

Thiago Lasevicius, Carlos Ugrinowitsch, Brad Jon Schoenfeld, Hamilton Roschel, Lucas Duarte Tavares, Eduardo Oliveira De Souza, Gilberto Laurentino & Valmor Tricoli (2018): Effects of different intensities of resistance training with equated volume load on muscle strength and hypertrophy. Eur J Sport Sci. 2018 Mar 22:1-9. doi: 10.1080/17461391.2018.1450898. [Epub ahead of print]

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Volume de treino: uma meta-análise


As meta-análises na ciência constituem uma ótima ferramenta para estabelecer evidências sobre determinado assunto. Utilizam os dados de diversos estudos, diferentes populações e, quando bem desenhadas, também possuem intervenções homogêneas. 
Recentemente, Schoenfeld e colaboradores (2017) realizaram uma meta-análise que utilizou 15 estudos (indivíduos treinados e não treinados) e demonstraram que o número de séries semanais (o aumento do volume de treino) está associado a maiores aumentos de volume muscular. Cada série adicional está associada a um ganho de 0,37%. As diferenças dos ganhos entre baixo e volumes maiores de treino ficam em torno de 3,9%. Os achados desse estudo sugerem a relação dose-resposta durante a progressão de programas de treinamento de força. O volume de treino é uma das variáveis mais importantes para progressão das adaptações, mesmo que alguns profissionais insistam em dizer o contrário e preconizam, sem embasamento científico, que aumento de volume de treino não trará ganhos adicionais. Seria "time-efficient" para você ou para ele? Além de confundirem termos como intensidade e percepção subjetiva de esforço (que abordei em posts anteriores).


Referência

Schoenfeld BJ, Ogborn D, Krieger JW. J. Dose-response relationship between weekly resistance training volume and increases in muscle mass: A systematic review and meta-analysis. Sports Sci. 2017 Jun;35(11):1073-1082. 

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Alto volume X Baixo Volume


  • O Colégio Americano de Medicina do Esporte recomenda o aumento gradual do volume de treino como estratégia para progressão das adaptações relacionadas ao treino de força. Porém, uma corrente prega o contrário, que volumes maiores não são necessários para tal progressão. Para isso, utilizam uma base do treinamento desportivo clássica, de que o volume é inversamente proporcional à intensidade.
    Sim, o volume é inversamente proporcional à intensidade. Mas no sentido de que, ao fazer com uma carga de 85% ou 90% de uma repetição máxima (intensidade), obviamente você fará menos repetições (volume). Realizar a série até a falha concêntrica total não é, necessariamente, intensidade alta, pois pode-se chegar à fadiga muscular com 60% ou até 30% 1RM. Realizar a série até a falha concêntrica aumenta a percepção subjetiva de esforço.
    Quando procuramos na literatura, os estudos que não observam vantagem de múltiplas séries (volume alto) em relação a uma série por exercício (baixo volume) são feitos em pessoas não treinadas, durante um espaço de tempo curto ou o desenho do estudo contém falhas grosseiras.
    No estudo de Shigali e cols (2017), os indivíduos não eram treinados, o estudo foi conduzido durante 12 semanas e mensuraram somente força, resistência dinâmica e isométrica (sem composição corporal). Não houve diferenças nos parâmetros de força entre uma ou múltiplas séries. Sabe-se que indivíduos sedentários se beneficiam de maneira igual na força muscular com treinos de baixo e alto volume (quanto menos treinada, mais treinável é a pessoa). E as adaptações de massa muscular tornam-se signficativas a partir da oitava semana de treino.
    Da mesma forma, Bezerra e cols (2018) encontraram aumentos no teste de 12 RM, força de pressão e resistência muscular localizada, sem diferenças entre o grupo que realizou séries únicas dos exercícios em relação ao que realizava séries múltiplas. O tempo de duração do estudo foi de 8 semanas, (Continua nos comentários)
  • Aí comparamos os resultados desses estudos com os de Radaelli e cols (2014), que foi realizado com mulheres idosas sedentárias, mas durante 20 semanas. O grupo que fez múltiplas séries apresentou melhores resultados na força muscular em relação ao grupo de séries únicas.
    O estudo de Giessing e cols (2016) demonstrou maiores ganhos de hipertrofia e força muscular para o grupo que fez uma série apenas. Porém, há falhas grosseiras na metologia que deixa claro a intenção dos autores. O grupo de séries múltiplas era composto predominantemente por mulheres; o tipo de treino "bodybuilder" era um circuito com séries submáximas (não realizadas até a fadiga), ao contrário do grupo de séries únicas (que realizou os exercícios até a exaustão). Para se entender a falta de homogeneidade entre as grupos, o título do estudo deveria ser: "comparação de força e massa muscular entre um grupo composto predominantemente por mulheres, com treino submáximo em circuito em relação a um grupo composto predominantemente por homens, com treino de séries únicas até a exaustão". Perceberam?
  • No estudo mais recente de Cunha e cols, realizado em 12 semanas com mulheres idosas sedentárias, não demonstrou diferenças nos ganhos de massa muscular entre baixo e alto volume de treino. Mas o grupo de maior volume apresentou maior perda de massa gorda.
  • Como vemos, não há motivos para aplicarmos um treino de volume alto em indivíduos sedentários até por volta de 8 a 12 semanas. Após esse tempo, como recomenda o Colégio Americano de Medicina do Esporte, um aumento PROGRESSIVO do volume deve ser aplicado para que os indivíduos se beneficiem de maiores adaptações ao treinamento. Embora muitos queiram "reiventar a roda" e colocar como superior os treinos "time-efficient", mesmo que contrariamente às evidências científicas, pergunte-se: é "time-efficient pra mim ou para ele?" (reparem que após muitos vídeos dos "treinadores" defendendo o baixo volume, há a venda de programas de treino "exclusivos"). "Ah, mas olha lá! Você fala tanto em ciência e colocou uma foto do Arnold no post". Sim, meus caros. Para buscar conhecimento, a ciência ainda é o melhor meio (ainda que imperfeito), pois podemos controlar melhor as variáveis que podem, em conjunto, interferir num resultado. Mas não devemos negar o empirismo, pois foi através de observações e tentativas com acertos e erros que se criaram questionamentos na ciência. E fisiculturistas do mundo todo, desde os mais antigos, tentaram diversas formas de treino para melhorarem seus físicos.

  • Referências
    Bezerra ES, Moro ARP, Orssatto LBDR, da Silva ME, Willardson JM, Simão R. Muscular Performance and Body Composition Changes Following Multi- versus Combined Multi- and Single-Joint Exercises in Aging Adults. Appl Physiol Nutr Metab. 2018 Jan 19. 

  • Garber CE, Blissmer B, Deschenes MR, Franklin BA, Lamonte MJ, Lee IM, Nieman DC, Swain DP. American College of Sports Medicine position stand. Quantity and quality of exercise for developing and maintaining cardiorespiratory, musculoskeletal, and neuromotor fitness in apparently healthy adults: guidance for prescribing exercise. Med Sci Sports Exerc. 2011 Jul;43(7):1334-59. 

  • Radaelli R, Botton CE, Wilhelm EN, Bottaro M, Brown LE, Lacerda F, Gaya A, Moraes K, Peruzzolo A, Pinto RS. Time course of low- and high-volume strength training on neuromuscular adaptations and muscle quality in older women. Age (Dordr). 2014 Apr;36(2):881-92. 

  • Shigaki L, Araújo CGA, Calderon MG, Costa TKC, Aguiar AF, Costa LOP, da Silva RA. Effects of Volume Training on Strength and Endurance of Back Muscles: A Randomized Controlled Trial. Sport Rehabil. 2017 May 17:1-26.

Intensidade de treino é o que os "experts" da internet dizem?


Vejo um erro de terminologia constantemente nas discussões sobre treino de força nas redes sociais. E esses erros são para justificar o posicionamento de alguns, mesmo que contrariamente às evidências científicas. 
Segundo o Colégio Americano de Medicina do Esporte, intensidade é a carga relacionada à porcentagem de 1 repetição máxima, realizada na máxima percepção de esforço subjetivo. Volume de treino é a quantidade de séries, repetições e exercícios. 
Alguns profissionais estão colocando a percepção subjetiva de esforço como intensidade. Mas são coisas distintas.
Especialmente os que defendem o treino “time-effient” colocam que a intensidade é inversamente proporcional ao volume para justificar o estilo de treino. 
Então fazer uma repetição máxima de cada exercício seria o treino que traria mais adaptações em força e composição corporal? Não!
Você pode fazer 3 séries com uma PERCEPÇÃO DE ESFORÇO alta. E isso não tem a ver com intensidade. 
Drop-sets e cadências mais lentas dos exercícios aumentam a intensidade do treino?
Não! Pelo contrário, em ambos você acaba utilizando cargas menores em relação a 1 RM. Mas aumentam a percepção de esforço e aumentam o VOLUME do treino, seja pelo número de repetições (drop-sets) ou pelo tempo sob tensão (no caso de cadências mais lentas e sim, o tempo sob tensão é uma variável de volume de treino).

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Vamos falar sobre HIIT (High Intensity Interval Training)



Parte 01:



Dividi o tema em duas partes: aqui falo sobre o custo energético durante uma sessão de treinamento HIIT e se provoca um déficit calórico suficiente para perda de gordura.

Parte 02:


Falei sobre o custo energético durante o treino. Aqui vamos ver se a metodologia cumpre seu papel de elevar o metabolismo durante 24 horas.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Suplementação de creatina

A suplementação de creatina é, até hoje, uma das mais utilizadas no meio esportivo. Já se foram algumas décadas após sua disseminação, inúmeros suplementos "modinhas" e a creatina prossegue amplamente utilizada e pesquisada. Tanto que a International Society of Sports Nutrition já a chamou de "o suplemento mais eficiente entre todos os suplementos nutricionais disponíveis no mercado (Buford et al., 2007).
Mas, por quê a suplementação de creatina é tão eficaz?


Há alguns anos, acreditava-se que o aumento da resistência de força e massa muscular fosse devido ao (esperado) aumento dos depósitos de creatina intramuscular (consequentemente, fornecendo subtrato para o sistema fosfagênio - altas intensidades e curta duração) e a um efeito osmótico (osmosensing), que pode atuar como um sinalizador para a síntese proteica (esse último apenas hipótese, sem trabalhos experimentais demonstrando).
Recentemente, Farshidfar et al. (2017) revisaram diversos estudos sobre as respostas fisiológicas na suplementação de creatina. E citaram os seguintes mecanismos:
- afeta diretamente a síntese de proteínas pela modulação dos componentes do mTOR (Mammalian Target of Rapamycin);
- também afeta diretamente o processo miogênico (formação de tecido muscular), alterando a secreção de mioquinas, como a miostatina e IGF-1;
- altera a expressão de fatores regulatórios da miogênese, resultando em maior ativação de células satélites de atividade mitótica e a diferenciação miofibrilar.
Ou seja, dentre inúmeras modinhas, a suplementação de creatina segue como uma das mais seguras e eficazes. E mais pesquisas vão surgindo sobre essa estratégia de suplementação, inclusive sobre o uso terapêutico.

Referências 
Buford TW, Kreider RB, Stout JR, Greenwood M, Campbell B, Spano M, Ziegenfuss T, Lopez H, Landis J, Antonio J. International Society of Sports Nutrition position stand: creatine supplementation and exercise. J Int Soc Sports Nutr. 2007 Aug 30;4:6.

Farshidfar F, Pinder MA, Myrie SB. Creatine Supplementation and Skeletal Muscle Metabolism for Building Muscle Mass- Review of the Potential Mechanisms of Action. Curr Protein Pept Sci. 2017;18(12):1273-1287.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Treino de baixo-volume X alto-volume

Vou deixar claro logo no início que não sou contra HIIT ou outros treinos intensos de baixo volume. Algumas pessoas perdem a motivação e o foco com treinos mais longos. Então, por uma questão de ADERÊNCIA, acho interessante essa estratégia.
Mas não venham defender baixo volume de treino como sendo superior sem analisar os trabalhos!
Schoenfeld et al. (2017) publicaram uma meta-análise entre dose-resposta do volume de treino semanal e aumento de massa muscular. Observaram, a partir dos dados de 15 estudos, que há um efeito do volume de treino na massa muscular. Treinos com volumes maiores produzem maiores ganhos de massa muscular.
"Ah, mas eu vi estudos que não demonstram diferença".
Ok, vamos a eles.
Um estudo (Giessing et al., 2016) comparou o uso de 3 séries de 10 repetições SUBMÁXIMAS  (que os autores chamaram de estilo "bodybuilding") com uma série MÁXIMA + dropsets (HIT) em 9 exercícios para o corpo todo. Não encontraram diferenças significativas na composição coporal, a não ser na performance muscular. Então pode-se dizer que pode-se ter o mesmo resultado com menos tempo de treino?
Vamos analisar a metodologia: 
- os indivíduos eram destreinados e qualquer livro de musculação básica fala sobre a falta de necessidade de treinos longos para iniciantes; 
- o treino "bodybuilding" era em circuito; 
- avaliação de composição corporal foi por bioimpedância (não é o padrão ouro em estudo científico);
- Havia o drobro de homens no grupo HIT em relação ao bodybuilding;
- o grupo HIT realizou repetições máximas, enquanto o "bodybuilding", submáximas.



Essa e a distribuição dos sexos entre os grupos foram as falhas metodológicas mais gritantes do estudo para mim. Porque passa a impressão de que os autores advogam a favor do baixo volume "time-efficient" e conduziram ao resultado que queriam a partir da amostra.
Ou seja, o estudo comparou os efeitos do treinamento em grupo majoritariamente formado por homens destreinados, com séries até a exaustão, versus um grupo formando majoritariamente por mulheres destreinadas, com séries submáximas (menos intensas) num treino em circuito. Os grupos são homogêneos e dignos de comparação?
Outro estudo, Nunes et al. (2017) comparou protocolos de 3 e 6 séries na força muscular e nas respostas hormonais de mulheres pós-menopausa. Não encontraram diferenças na força muscular, o que é esperado em se tratando de pessoas destreinadas, e nas respostas hormonais de testosterona, cortisol e IGF-1. Na questão hormonal, temos o fato das mulheres serem destreinadas e serem pós-menopáusicas, o que limita a extrapolação para pessoas treinadas e outros grupos, como homens, mulheres antes da menopausa etc. E, além disso, as respostas hormonais não são os únicos fatores que influenciam força e massa muscular (essa última, não mensurada).
Ciência não é religião. Não é no que você "acredita", mas para aquilo que um conjunto de evidências direciona o conhecimento. Vamos realizar intervenções na área da saúde através de evidências?

Referências
Giessing J., Eichamann B, Steele J, Fisher J. A comparison of low volume 'high-intensity-training" and high volume traditional resistance training methods on muscular performance, body composition and subjective assessments of training. Biol. Sport, Sep; 33(3):241-9.

Nunes PR, Barcelos LC, Oliveira AA, Júnior RF, Martins FM, Resende EA, Orsatti FL. Muscular strength adaptations and hormonal responses after two different multiple-set protocols of resistance training in postmenopausal women. J Strength Cond Res. 2017 Jan 20. doi: 10.1519

Schoenfeld BJ, Ogborn D, Krieger JW. Dose-response relationship between weekly resistance training volume and increases in muscle mass: A systematic review and meta-analysis. J Sports Sci. 2017 Jun;35(11):1073-1082. .




terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Lipogênese: conversão de carboidratos em gordura.


Basicamente, a regulação da lipogênese a partir de hidratos de carbono depende de atividades enzimáticas controladas pela insulina, presença de glicose e ocorre no fígado. Temos aí diversas enzimas, como glicoquinase, piruvato quinase hepática, ATP citrato liase, acetil Coa-carboxilase, ácido graxo sintetase, glicose 6-fosfato desidrogenase e 6-fosfogliconato desidrogenase (Dentin et al, 2005). A transcrição do acetil-Coa carboxilase e ácido graxo sintetase são estimuladas pela glicose e pela insulina; da glicoquinase, somente pela insulina. A enzima chave da regulação da lipogênese é a acetil-Coa carboxilase (catalisa síntese de malonil-Coa a partir de acetil-Coa e CO2 - o público em geral não precisa entender a rota, só tenham em mente que esse acúmulo de acetil-Coa e ativação da lipogênese se dá pelo EXCESSO de glicose).
Mas quanto de glicose o corpo utiliza para armazenar gordura? Primeiramente, a preferência é pela gordura dietética (ingerida), pois há uma grande eficiência energética (98-99% da energia do alimento contra 70-75% dos carboidratos) (Schütz, 2004ab). Esses dados corroboram com o estudo de Chwalibog e Thorbek (2001), onde os indivíduos se alimentaram 14 dias com uma dieta rica em carboidratos e gordura e 75-85% e 90-95%, respectivamente, do excesso de energia foi estocado no tecido adiposo. 
Uyeda et al (2002) submeteram pessoas a uma dieta hipercalórica, onde a maior proporção dos macronutrientes era de carboidratos, durante 96 horas. Houve aumento da lipogênese, mas não afetou de forma significativa a composição corporal. Só foram encontrar aumento da gordura corporal significativo vindo de dietas hipercalóricas ricas em carboidratos em estudos de maior duração, como em 10 semanas (Lopes e colaboradores, 2001), sendo que o saldo final da lipogênese aumentou consideravelmente nos últimos 10 dias; ou 21 dias, Lammert et al, 2000). Em dieta isocalórica (o famoso "zero a zero"), durante 25 dias, não se observou aumento da lipogênese (Hudgins et al, 1996). 




  • Especificamente no tecido adiposo, dietas hipercalóricas ricas em carboidrato não resultaram em aumento em 12 horas ou 2 semanas (Diraison et al., 2003) nos RNAs mensageiros das enzimas ácido graxo sintetase e acetil-CoA carboxilase. Porém, no estudo de Minehira et al. (2003) houve um aumento da atividade lipogênica no tecido adiposo após 4 dias de dieta semelhante ao estudo citado anteriormente. Interessante que eles observaram que a atividade lipogênica só aumentou após armazenamento de glicogênio hepático. Segundo Letexier et al. (2003), o tecido adiposo humano possui baixa atividade lipogênica, o que confirma que a maioria dos triglicérides estocados no tecido adiposo provém da dieta.
    Agora guardem bem isso na memória, "o ganho de peso corporal é relacionado DIRETAMENTE ao excesso de energia ingerida, INDEPENDENTE do tipo de substrato" (Schwarz et al., 1995). Shutz et al. (2004) comenta sobre duas situações: dieta ISOenergética e HIPERenergética, ambas ricas em carboidratos. Segundo o autor, na primeira condição a lipogênese aumenta, mas a gordura corporal não (pois o balanço de gordura é neutro); na segunda, aumentam a lipogênese e a gordura corporal. Lembrem do até foi dito no início do texto, a insulina ativa enzimas lipogênicas, mas uma enzima chave depende, além da insulina, de glicose para ser ativada e que, sem excessos, não compensa a gordura oxidada durante o dia (ou seja, você NÃO PARA DE OXIDAR GORDURA!!!!). Isso excetuando o fato de que a lipogênese a partir de carboidratos apresenta um custo energético para ser ativada (Minehira et al., 2004), em torno de 1,3MJ/dia (Pasquet et al., 1992).
    O tipo de carboidrato também influencia na lipogênese. Carboidratos simples, por exemplo, possuem uma resposta lipogênica maximizada, ao contrário dos fibrosos ou complexos (Schwarz et al., 2003).
  • Estou dizendo que podemos comer carboidratos indefinidamente? Não, por isso é bom ter um plano alimentar. Porém, todo esse alarde e fobia contra os carboidratos não me faz sentido. Como visto anteriormente, a lipogênese, apesar de ativa quando se ingere refeições ricas em carboidratos, parece não influenciar significativamente a gordura corporal, somente a longo prazo e com excesso de calorias. Juntamos ainda o fato de que as dietas aplicadas nesses estudos não são habitualmente utilizadas, pois utilizaram altíssimas taxas de carboidratos.
  • A ingestão de carboidratos aumentam sua oxidação, poupando os ácidos graxos, inclusive durante o exercício. Esse seria o principal fator para o aumento de gordura nos estudos a longo prazo. Mas, para isso, é necessária uma dieta HIPERCALÓRICA. SEGUNDO Horton (1995), se a dieta for isocalórica, ocorre uma manutenção da gordura corporal, INDEPENDENTE da distribuição de nutrientes. Ou seja, voltamos ao que venho dizendo aqui, a palavra principal para engordar ou emagrecer continua sendo a ingesta calórica (lembrando que dietas hiperproteicas são importantes no processo de emagrecimento para manutenção da massa magra).

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Óleo de coco é cárdio-protetor? Será?


Quando eu alerto sobre o perigo de alguns estudos caírem na mão de leigos ou dos terroristas alimentares que encaram dieta como dogma ou religião, é muito sério.
Um dos estudos que encontraram correlação entre alta quantidade de óleo de coco e baixo risco de eventos cardiovasculares foi realizado em dois povos banhados pelo Oceano Pacífico (ilhas Tokelau e Kitava). Na primeira, consumiam muito óleo de coco, na segunda, comiam muitas fibras, frutas, verduras e possuíam níveis baixos de insulina. 
Estudos epidemiológicos como esse encontram correlação, mas não necessariamente podemos extrapolar causa-efeito. Pode haver inúmeros outros fatores que influenciam uma das variáveis. Até porque vendem óleo de coco como triglicerídeo de cadeia-média (MCT), mas ele POSSUI MCTs, não é formado APENAS por eles. Também encontramos outros ácidos, como o láurico, que não se comporta como MCTs. Não podemos extrapolar os benefícios de se consumir MCTs para o óleo de coco!


Agora vamos para o estudo de laboratório e controlado. Embora alguns estudos demonstrem que óleo de coco pode aumentar o LDL (colesterol ruim), mas também o HDL (bom), resolvi citar esse que não encontraram diferenças no gasto energético de repouso, taxa de oxidação de gordura e na termogênese. Também não encontraram diferenças nas lipoproteínas (HDL e LDL). O óleo de coco é bom para cozinhar, algumas pesquisas (mesmo que em modelos animais) são promissoras como antimicrobiótico. Mas não justifica o valor agregado ao seu preço como protetor cardiovascular. Quer melhorar o perfil lipídico gastando menos? Consuma fibras, corte carboidratos processados e consuma peixe.
Mas, infelizmente, o que vemos hoje é extrapolarem estudos epidemiológicos para taxarem categoricamente algo como super-alimento e os estudos que não corroboram com a opinião são "conspirações da indústria" (como se as pessoas não caíssem na indústria dos "super alimentos").

Referências
Effects of coconut oil consumption on energy metabolism, cardiometabolic risk markers, and appetitive responses in women with excess body fat. 

Low serum insulin in traditional Pacific Islanders - The Kitava Study.

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Treino 1´-1´

Como venho insistido aqui no blog, célula muscular não sabe contar repetições. As repetições definidas para otimizar hipertrofia muscular nada mais são que uma estimativa do TEMPO que dura a série, chamado de "tempo sob tensão" (saiba mais clicando aqui).
Adoto essa estratégia com clientes e comigo faz alguns anos.
Veja aqui um exemplo de treino que chamo de 1´-1´


Aqui, no Stiff, usei a mesma estratégia em ir diminuindo o peso e fazendo mais repetições até completar 1 minuto de tempo sob tensão

Proteína de absorção lenta antes de dormir auxilia a hipertrofia muscular?


Um estudo bem interessante foi realizado em 2015. Snijders e colaboradores investigaram se o consumo de proteína antes de dormir auxiliaria o ganho de massa muscular em 44 homens jovens, após 12 semanas de treinamento.

Para um grupo, foi dado um suplemento contendo 27,5 g de caseína, 15 g de carboidrato e 0,1 g de gordura antes de dormirem. Para o grupo controle, uma bebida placebo zero caloria. 
Ambos os grupos obtiveram aumentos na força e massa muscular e em maior magnitude no grupo suplementado (como mostra o gráfico na figura).
O consumo de uma proteína de absorção lenta antes de dormir se tornaria eficaz para ganhos de força e massa muscular. Visto que passaremos um bom tempo em jejum durante o sono, essa conduta proveria aminoácidos para a síntese proteica.


Mas não posso deixar de perguntar... foi o consumo de proteína especificamente de noite ou por simplesmente aumentar o consumo de proteína, pois o grupo controle ingeriu o placebo? Caso a ingesta de proteína tenha sido parecida, já discutimos aqui que o corpo não consegue aproveitar mais que 25, 30 g/refeição para a síntese proteica. Então, esse melhor fracionamento teria contribuído positivamente?

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Suplementação proteica: é realmente necessária?

Muitos praticantes de musculação, às vezes, questionam sobre a suplementação de proteína em suas dietas, se realmente faria alguma diferença ou não.
Recentemente, Morton e colaboradores (2017) realizaram uma meta-análise muito interessante para avaliar se a suplementação proteica aumentaria os ganhos de massa e força muscular. Meta-análise é uma técnica estatística onde se utiliza dos resultados de dois ou mais estudos independentes sobre determinado assunto e combinando, em uma medida resumo, os seus resultados.
Os critérios para inclusão foram: estarem indexados nas bases  Medline, Embase, CINAHL e SportDiscus; terem duração acima de 6 semanas e o grupo experimental realizar treino de força. Foram coletados dados de 49 estudos, totalizando 1863 participantes.


Observou-se aumentos na força e na massa muscular. O impacto da suplementação na massa livre de gordura diminui com a idade e é mais efetiva em indivíduos treinados. Quando a ingestão proteica total diária ultrapassa 1,62 gr/kg/dia, os ganhos da suplementação são minimizados.
Nessa última questão, acredito ser importante frisar que a qualidade da proteína na ingestão diária pode ser um fator decisivo. Uma ingestão proteica alta, porém de baixo valor biológico, pode não afetar os efeitos da suplementação comparada a uma ingesta proteica de alto valor biológico. Precisaríamos de mais estudos nessa questão, mas  reforço sobretudo a avaliação de um profissional especializado. Somente ele pode avaliar a qualidade e a quantidade de proteína na sua alimentação.

Referência
Morton RW, Murphy KT, McKellar SR, Schoenfeld BJ, Henselmans M, Helms E, Aragon AA, Devries MC, Banfield L, Krieger JW, Phillips SM.  A systematic review, meta-analysis and meta-regression of the effect of protein supplementation on resistance training-induced gains in muscle mass and strength in healthy adults. Br J Sports Med. 2017 Jul 11. 

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Melatonina: benefícios além do sono

Você pensa que a suplementação de melatonina deve ser realizada apenas para pessoas com problemas de insônia? Então lhe digo que você está enganado. Numa rápida revisão sobre o tema em portais de publicações científicas, vemos diversas aplicações, como:
- melhora no sistema antioxidante (Vázquez e colaboradores, 2017), inclusive em pacientes com esclerose múltipla (Miler e coladoradores, 2013); 
- prevenção de doenças neurodegenerativas (Wongprayoon & Govitrapong, 2017; Liu e coladoradores, 2017);
- tratamento de fibromialgia (Favero e colaboradores, 2017) e esteatose hepática (Esrefogl e colaboradores, 2017);
- atua como auxiliar no tratamento de alguns tipos de câncer, como de mama (Gelaleti e colaboradores, 2017), inclusive diminuindo o estresse oxidativo e protegendo o sistema imunológico durante radioterapia (Najafi e colaboradores, 2017). E, já que estamos falando em sistema imunológico, a suplementação de melatonina é um grande aliado (Manka & Majewka, 2016; Ren e colaboradores, 2017), direcionando as pesquisas como coadjuvante no tratamento de soropositivos, visto que seus níveis de melatonina estão diminuídos (Ahmadi e colaboradores, 2017);
- Concomitante à prática de atividade física, no tratamento de diabetes tipo II (Rahman e colaboradores, 2017).


Interessante foi uma publicação recente que me chamou atenção. Leonardo-Mendonça e colaboradores (2017) avaliaram tanto o estresse oxidativo quanto a recuperação muscular de pessoas fisicamente ativas após aumentar a intensidade do treinamento de força. A suplementação de melatonina se mostrou eficiente na proteção contra o estresse oxidativo e na recuperação das microlesões causadas pelo exercício.
E isso foi uma pequena amostra do que se pesquisa sobre melatonina nos últimos anos. Há ainda muitos outros benefícios relatados e a ser investigados. Com isso, a melatonina tem se mostrado uma das suplementações mais benéficas para a saúde geral da população.


Referências

Ahmadi-Motamayel F, Vaziri-Amjad S, Goodarzi MT, Samie L, Poorolajal J. Evaluation of Salivary Melatonin Levels in HIV-positive Patients: A Historical Cohort Study Running title: Salivary melatonin in HIV. Rev Recent Clin Trials. 2017 Jul 25. doi: 10.2174/1574887112666170725132528. [Epub ahead of print]

Esrefoglu M, Cetin A, Taslidere E, Elbe H, Ates B, Tok OE, Aydin MS. Therapeutic effects of melatonin and quercetin in improvement of hepatic steatosis in rats through supression of oxidative damage. Bratisl Lek Listy. 2017;118(6):347-354. doi: 10.4149/BLL_2017_066.

Favero G, Trapletti V, Bonomini F, Stacchiotti A, Lavazza A, Rodella LF, Rezzani R. Oral Supplementation of Melatonin Protects against Fibromyalgia-Related Skeletal Muscle Alterations in Reserpine-Induced Myalgia Rats. Int J Mol Sci. 2017 Jun 29;18(7). pii: E1389. doi: 10.3390/ijms18071389.

Gelaleti GB, Borin TF, Maschio-Signorini LB, Moschetta MG, Jardim-Perassi BV, Calvinho GB, Facchini MC, Viloria-Petit AM, de Campos Zuccari DAP. Efficacy of melatonin, IL-25 and siIL-17B in tumorigenesis-associated properties of breast cancer cell lines. Life Sci. 2017 Aug 15;183:98-109. doi: 10.1016/j.lfs.2017.06.013. Epub 2017 Jun 15.

Leonardo-Mendonça RC, Ocaña-Wilhelmi J, de Haro T, de Teresa-Galván C, Guerra-Hernández E, Rusanova I, Fernández-Ortiz M, Sayed RKA, Escames G, Acuña-Castroviejo D. The benefit of a supplement with the antioxidant melatonin on redox status and muscle damage in resistance-trained athletes. Appl Physiol Nutr Metab. 2017 Jul;42(7):700-707. doi: 10.1139/apnm-2016-0677. Epub 2017 Feb 13.

Liu WC, Wang X, Zhang X, Chen X, Jin X. Melatonin Supplementation, a Strategy to Prevent Neurological Diseases through Maintaining Integrity of Blood Brain Barrier in Old People. Front Aging Neurosci. 2017 May 24;9:165. doi: 10.3389/fnagi.2017.00165. eCollection 2017.

Mańka S, Majewska E. Immunoregulatory action of melatonin. The mechanism of action and the effect on inflammatory cells. Postepy Hig Med Dosw (Online). 2016 Oct 4;70(0):1059-1067.

Miller E, Walczak A, Majsterek, Kędziora J. Melatonin reduces oxidative stress in the erythrocytes of multiple sclerosis patients with secondary progressive clinical course. J Neuroimmunol. 2013 Apr 15;257(1-2):97-101. doi: 10.1016/j.jneuroim.2013.02.012. Epub 2013 Mar 19.

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Vázquez J, González B, Sempere V, Mas A, Torija MJ, Beltran G.  Reduces Oxidative Stress Damage Induced by Hydrogen Peroxide in Saccharomyces cerevisiae.Front Microbiol. 2017 Jun 15;8:1066. doi: 10.3389/fmicb.2017.01066. eCollection 2017.



sexta-feira, 14 de julho de 2017

Posição dos pés influencia a ativação muscular no Agachamento?


Muitos praticantes de musculação, "blogueiros fitness" e até alguns profissionais da área modificam a angulação dos pés no agachamento para variar a ativação muscular, ou como dizem, "para pegar mais determinada musculatura". Como já falei sobre a posição dos pés mais a frente ou recuados, se devem ou não passar da linha dos pés (clique aqui), agora vamos ver o que os estudos eletromiográficos nos demonstram sobre a abertura dos pés? (eletromiografia é uma técnica em que se mede a atividade elétrica do músculo através de eletrodos na superfície da pele ou inseridos no próprio músculo).
O estudo de Murray e colaboradores (2013) avaliaram, através de eletromiografia superficial, a ativação do quadríceps  no agachamento (homens e mulheres) com os pés nas seguintes posições: neutro, rotado internamente, rotado externamente e escalonado - esse último, seria um pé mais a frente do outro). Observaram que apenas a posição escalonada apresentou maior atividade do vasto lateral, medial e reto femural.

Posições dos pés realizadas no estudo de Murray e colaboradores (2013): A - posição neutra; B - rotação interna; C - rotação externa; D - escalonado

Han e colaboradores (2013), também com homens e mulheres, avaliaram as posições dos pés neutra, 30º de adução e 30º de abdução. Novamente, entre essas posições, não houve diferenças de ativação e pico de torque. Entretanto, como a adução e abdução dos pés tendem a proporcionar movimento similar nos joelhos, os autores sugerem a posição neutra na presença de patologias nessa articulação.
Um estudo mais antigo (Hung e cols, 1999) também não encontrou diferenças na ativação do vasto lateral e medial variando a posição dos pés.
Vemos então que apenas a posição escalonada apresentou diferenças de ativação, enquanto os pés em posição neutra, adução ou abdução não apresentaram diferenças em nenhum dos estudos. Apenas no caso de determinadas patologias, onde possa haver um desequilíbrio de forças na estrutura dos joelhos, recomenda-se a posição neutra. Então, vamos parar de querer inventar uma nova roda e complicar em cima de algo que é bem mais simples. Lembrem-se sempre que algumas pessoas querem ganhar dinheiro, fama e ou seguidores em redes sociais, não ligando a mínima para as evidências e, principalmente, sua saúde.

Referências

Murray N, Cipriani D, O'Rand D, Reed-Jones R. Effects of Foot Position during Squatting on the Quadriceps Femoris: An Electromyographic Study. Int J Exerc Sci. 2013 Apr 15;6(2):114-125. eCollection 2013.

Han S, Ge S, Liu H, Liu R. Alterations in Three-dimensional Knee Kinematics and Kinetics during Neutral, Squeeze and Outward Squat. J Hum Kinet. 2013 Dec 31;39:59-66. doi: 10.2478/hukin-2013-0068. eCollection 2013 Dec 18.

McMillian DJ, Rynders ZG, Trudeau TR. Modifying the Functional Movement Screen Deep Squat Test: The Effect of Foot and Arm Positional Variations. J Strength Cond Res. 2016 Apr;30(4):973-9. doi: 10.1519

Hung YJ, Gross MT. Effect of foot position on electromyographic activity of the vastus medialis oblique and vastus lateralis during lower-extremity weight-bearing activities.  J Orthop Sports Phys Ther. 1999 Feb;29(2):93-102; discussion 103-5.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Tempo sob tensão e hipertrofia muscular



Há algum tempo venho insistido no tema e vários estudos recentes estão utilizando essa variável na prescrição do treinamento, que é o tempo sob tensão (TST). Afinal, de onde veio o conceito de "zona de hipertrofia" ser otimizada entre 6-12 repetições? Como músculos não sabem contar, esse conceito veio baseado num tempo médio estipulado por repetição, desde que a série dure entre 30 segundos a 1 minuto e meio em esforço MÁXIMO. Ou seja, uma carga que possibilite a realização de uma série de 30 a 90 segundos até a fadiga concêntrica (fase positiva). Veja aqui o post com gráfico explicando esse conceito.
Como eu sempre digo, fisiculturismo é diferente de halterofilismo. No primeiro, se estimula a musculatura de maneira ótima para o crescimento muscular; enquanto no segundo, o objetivo é levar a maior carga externa do ponto A ao ponto B. E vejo muitas pessoas nas academias em que o tempo sob tensão das séries não ultrapassam 15, 20 segundos.


O estudo de Tran e colaboradores (2006), dividiu os grupos da seguinte maneira, utilizando exercício de flexores do cotovelo:
- Grupo A: carga de 90% de 10 repetições máximas (RM), com 3 séries de 10 repetições e 5 segundos na fase concêntrica e 2 segundos na fase excêntrica. O TST total foi de 210 segundos. 
- Grupo B: a mesma carga e número de séries do grupo A, com 2 segundos em cada fase. O TST total foi de 120 segundos.
- Grupo C: utilizou metade da carga dos protocolos anteriores, com 3 séries de 5 repetições e 10 segundos na fase concêntrica e 4 segundos na fase excêntrica. O TST total foi de 210 segundos.
O protocolo A produziu maior fadiga (queda das propriedades contráteis do músculo) e maior estímulo para hipertrofia muscular. O grupo C produziu bom estímulo para hipertrofia, porém menor do que o grupo A. O grupo B foi o que menos fadigou os músculos e o menos eficiente para estimular a hipertrofia.
Sendo o TST uma variável de volume de treino, podemos observar sua importância nas adaptações do treinamento. Mas então, por quê TST semelhantes produziram resultados diferentes (grupo A e C)?
Esses resultados corroboram com a revisão de Schoenfeld e colaboradores (2015), pois verificaram que repetições com durações entre 0,5 e 8 segundos produzem estímulos para hipertrofia semelhantes e, acima disso, os ganhos são menores. Observem que a duração das repetições do grupo C do estudo de Tran e cols (2006) foi de 14 segundos.
Num estudo mais recente, Burd e colaboradores (2012) avaliaram diferentes TST para uma mesma carga. Foi utilizado um protocolo de 3 séries de extensão de joelhos, porém um grupo utilizou 6 segundos para ambas as fases excêntrica e concêntrica do movimento e outro, 1 segundo para cada fase.
O protocolo mais lento estimulou mais a síntese proteica após o exercício, em torno de 3% em 24 horas pós-exercício. 
Então, para uma mesma carga, uma repetição realizada de maneira controlada pode dobrar o TST de sua série, aumentando o volume de treinamento. Interessante que o TST recomendado para hipertrofia muscular e otimização da síntese proteica é muito maior que boa parte das pessoas realizam e isso pode estar dificultando seus ganhos. Reitero que estamos discutindo otimização de hipertrofia muscular, não estamos dando ênfase em força. 

Referências

Burd NA1, Andrews RJ, West DW, Little JP, Cochran AJ, Hector AJ, Cashaback JG, Gibala MJ, Potvin JR, Baker SK, Phillips SM. Muscle time under tension during resistance exercise stimulates differential muscle protein sub-fractional synthetic responses in men. J Physiol. 2012 Jan 15;590(2):351-62. doi: 10.1113/jphysiol.2011.221200. Epub 2011 Nov 21.

Schoenfeld BJ1, Ogborn DI, Krieger JW.. Effect of repetition duration during resistance training on muscle hypertrophy: a systematic review and meta-analysis. Sports Med. 2015 Apr;45(4):577-85. doi: 10.1007/s40279-015-0304-0.

The effects of varying time under tension and volume load on acute neuromuscular responses. Tran QT1, Docherty D, Behm D. Eur J Appl Physiol. 2006 Nov;98(4):402-10. Epub 2006 Sep 13.



quinta-feira, 22 de junho de 2017

Posicionamento da Sociedade Internacional de Nutrição Esportiva sobre os diferentes tipos de dieta

Cada vez mais, num espaço de tempo menor, surge um ou outro tipo novo de dieta. Porém, trocando em miúdos nada mais é do que uma manipulação, muitas vezes já conhecida, dos macronutrientes. Nesse mês de junho, a Sociedade Internacional de Nutrição Esportiva publicou em seu periódico (Journal of International Society of Sports Nutrition) seu posicionamento sobre os diferentes tipos de dieta na composição corporal.

 A Sociedade Internacional de Nutrição Esportiva (ISSN) baseia sua posição em uma análise crítica da literatura sobre os efeitos dos tipos de dieta (composição de macronutrientes, estilos de alimentação) e sua influência na composição corporal. O ISSN concluiu o seguinte: 
1) Existe uma multiplicidade de tipos de dieta e estilos de alimentação, em que vários subtipos se enquadram em cada um dos principais arquétipos alimentares.
2) Todos os métodos de avaliação da composição corporal têm pontos fortes e limitações.
3) As dietas focadas principalmente na perda de gordura são impulsionadas por um déficit calórico. Quanto maior o nível de gordura corporal inicial, mais agressivo pode ser o déficit calórico imposto. Taxas mais lentas de perda de peso tendem a preservar a massa magra (MM) em indivíduos mais magros.


4) As dietas focadas principalmente no aumento da MM são impulsionadas por um excedente calórico, para facilitar os processos anabólicos e apoiar o aumento das exigências do treinamento de resistência (termo usado em inglês para musculação). A composição e a magnitude do excedente, bem como o status de treinamento dos sujeitos, podem influenciar a natureza dos ganhos. 
5) Uma ampla gama de abordagens dietéticas (baixo teor de gordura ou baixo teor de carboidratos/cetogênicas e todas as variações) podem ser igualmente eficazes para melhorar a composição corporal.
6) O aumento da proteína dietética, em níveis significativamente além das recomendações atuais, para populações fisicamente ativas pode resultar em melhoria da composição corporal. Podem ser necessárias ingestões de proteínas mais elevadas (2,3-3,1 g / kg de massa magra) para maximizar a manutenção da MM em indivíduos magros e treinados sob condições hipocalóricas. Pesquisas emergentes sobre ingestão de proteína muito alta (> 3 g/kg peso corporal) demonstraram que os efeitos térmicos e sobre a massa magra das proteínas amplificam-se em indivíduos submetidos a treinamento de resistência.
7) As pesquisas sobre jejum intermitente não demonstram nenhuma vantagem significativa sobre a restrição calórica diária para melhorar a composição corporal.
8) O sucesso a longo prazo de uma dieta depende da conformidade, supressão ou evasão de fatores atenuantes, como a termogênese adaptativa. 
9) Há uma escassez de pesquisas sobre mulheres e idosos, bem como uma ampla gama de alterações inexploradas sobre freqüência de alimentação e distribuição de macronutrientes em vários saldos energéticos combinados com treinamento. As estratégias comportamentais e de modificação do estilo de vida ainda são áreas pouco pesquisadas no controle de peso.

J Int Soc Sports Nutr. 2017 Jun 14;14:16. doi: 10.1186/s12970-017-0174-y. eCollection 2017.
International society of sports nutrition position stand: diets and body composition.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Cacau auxilia a perda de gordura


Provavelmente, você já deve ter ouvido falar sobre os efeitos do cacau puro, mais especificamente de seus flavonóides. Aí podemos falar sobre suas propriedades antioxidantes, na regulação da pressão arterial, raciocínio e até perda de gordura. 
Especificamente, sobre a perda de gordura, funciona? Sim. E qual seria o mecanismo? 
O estudo de Matsumura e colaboradores (2014), realizado em ratos, comparou os efeitos do flavonóide encontrado no cacau (flavan-3-ols) com outro flavonóide, a epicatequina. A ingestão de cacau aumentou de maneira mais significativa os níveis de catecolaminas (adrenalina e noradrenalina), além da expressão de genes responsáveis pela termogênese e pela lipólise. Ou seja, tivemos um aumento das atividades lipolítica e termogênica.


Também em ratos, Matsui e colaboradores (2005) quiseram elucidar os mecanismos moleculares pelo qual o cacau pode diminuir a gordura visceral. Utilizaram 21 dias de dieta com alto teor de lipídeos com ou sem cacau na dieta. Após o experimento, os ratos que ingeriram cacau apresentaram peso corporal, gordura visceral e triglicerídeos menores. Além disso, as análises de DNA demonstraram uma menor expressão dos genes envolvidos na síntese de ácidos graxos no tecido adiposo branco e no fígado. 
Muito interessante o estudo e os resultados do recentíssimo estudo de Sansone e colaboradores (2017), em que verificaram se há interação entre os flavonóides do cacau e metilxantinas (como a cafeína) em humanos na função cardiovascular. A cafeína sozinha, não alterou a vasodilatação via fluxo sanguíneo e a circulação de células angiogênicas. Ao passo que os flavonóides os aumentaram e o fizeram em maior magnitude quando combinados com cafeína. Provavelmente, metilxantinas devem aumentar a absorção dos flavonóides, elevando sua concentração no plasma sanguíneo quando ingeridos concomitantemente.  
Temos então a atuação dos flavonóides do cacau estimulando a lipólise via adrenérgica, através da lipogênese e também um efeito de bloqueio na lipogênese (síntese do tecido adiposo). Vale ressaltar que a abordagem é sobre o cacau PURO, sem adição de açúcares (que gera picos de insulina e estimula a lipogênese) ou gorduras saturadas. Tendo deixado isso claro, adicione cacau em sua dieta, inclusive como pré-treino!

Referências
Matsui N, Ito R, Nishimura E, Yoshikawa M, Kato M, Kamei M, Shibata H, Matsumoto I, Abe K, Hashizume S. Ingested cocoa can prevent high-fat diet-induced obesity by regulating the expression of genes for fatty acid metabolism. Nutrition. 2005 May;21(5):594-601.

Matsumura Y, Nakagawa Y, Mikome K, Yamamoto H, Osakabe N. Enhancement of energy expenditure following a single oral dose of flavan-3-ols associated with an increase in catecholamine secretion. PLoS One. 2014 Nov 6;9(11):e112180. 

Sansone R, Ottaviani JI, Rodriguez-Mateos A, Heinen Y, Noske D, Spencer JP, Crozier A, Merx MW, Kelm M, Schroeter H, Heiss C. Methylxanthines enhance the effects of cocoa flavanols on cardiovascular function: randomized, double-masked controlled studies. 2017 Feb;105(2):352-360. doi: 10.3945/ajcn.116.140046. Epub 2016 Dec 21.

segunda-feira, 27 de março de 2017

Flexão de cotovelos (Rosca Bíceps) com braço reto ou inclinado?

No post anterior, abordei a questão do tríceps, se com tronco inclinado ou não.
Quando falamos no bíceps, a questão do tronco inclinado para frente ou para trás, obviamente já está fora de cogitação (embora algumas pessoas possam parecer um pêndulo na execução do movimento, para colocarem mais carga). Mas o braço? Potencializamos a ação do bíceps com ele reto ou levemente avançado, realizando uma leve flexão de ombros? (vejam que, em ambos os casos, o braço parte da posição reta, não estou falando da rosca bíceps com o braço avançado em toda amplitude, que deixarei para um próximo post).
Primeiramente, vamos levar em consideração os seguintes pontos (citados no post anterior) e, a partir da análise biomecânica, você mesmo poderá responder a questão.
- quanto maior o braço de alavanca (ou braço de momento) ao qual o músculo é submetido, maior o estímulo;
- maior amplitude articular e/ou onde o músculo fica sob tensão provocam maiores alterações bioquímicas;
- o músculo, quando mais alongado, é mais ativado.




O mesmo exemplo vale para a flexão de cotovelos em posição sentada ou de pé.
Como vemos na figura, o braço de alavanca em ambos os casos são praticamente iguais, quando o antebraço está na horizontal. Porém, ao flexionar o cotovelo, o antebraço fica quase vertical na figura 2, praticamente anulando a linha azul, reduzindo muito o braço de momento. Na figura 1, o braço de momento se faz presente em toda amplitude de movimento (aumentando a tensão em toda a amplitude).
Outro fato importante é que o bíceps, sendo um músculo multiarticular, suas origens passam pelo ombro. Sua porção mais próxima ao ombro ficaria mais encurtada na figura 2, diminuindo sua ativação.
Lembrem-se que fisiculturismo é diferente de halterofilismo. No segundo, o objetivo é mover o maior peso possível do ponto A ao ponto B; no primeiro, é necessário estimular a musculatura, de modo que ocorram alterações bioquímicas necessárias para gerar supercompensação no tecido muscular. Logo, o ideal seria utilizarmos a execução de maior estímulo muscular.



terça-feira, 7 de março de 2017

Tríceps com o tronco inclinado ou reto?

Algo que vejo muito nas academias e nos "gurus" de instagram são dicas de exercícios que "pega" mais ou onde se coloca mais carga. Mas o que seria "pega" mais? Colocar uma carga externa maior necessariamente estimula mais o músculo?
Vamos falar hoje sobre o tríceps na roldana e a posição do tronco. Deveria ficar reta ou inclinada?

Fonte: Muscle and Motion


Primeiramente, o vídeo mostra que é mais interessante isolar o movimento na extensão do cotovelo (evitando o movimento dos ombros ou elevação das escápulas). Com isso, teremos o estímulo numa maior amplitude articular.
No caso do posicionamento do tronco, de qualquer forma teremos um bom estímulo ao tríceps braquial. Mas, como podemos potencializá-lo?



Com a coluna inclinada, temos um alongamento bem pouco proeminente da cabeça longa do tríceps (bi-articular, passando pela gleno-umeral). O que, dependendo da proporcionalidade entre elas, pode-se tornar uma conduta interessante,
Porém, com a coluna inclinada, colocamos o peso do corpo sobre a barra, o que facilitaria o movimento e permitiria movimentar uma carga externa maior. Com a coluna reta, há uma amplitude de movimento maior (linhas amarelas), de aproximadamente 123 graus; contra aproximadamente 88 graus com a coluna inclinada (Escamilla, 2001). Segundo Nosaka e Sakamoto (2001), embora menores amplitudes produzam um trabalho mecânico maior, um movimento mais alongado produz maiores alterações bioquímicas. A tensão sobre a coluna também é menor com a coluna reta (braço de alavanca representado pela linha verde).
Ou seja, excetuando questões de isolamento de determinada porção do tríceps braquial, pessoalmente prefiro a posição ereta. Com uma carga externa menor, diminuindo o risco de lesões (Delos e cols, 2013), pode-se produzir um estímulo bioquímico maior e com maior amplitude.

Referências

Delos, Demetrius; Maak, Travis G.; Rodeo, Scott A. Muscle Injuries in Athletes: Enhancing Recovery Through Scientific Understanding and Novel Therapies. Sports Health: 5(4): 346–352 (2013)


Nosaka K.; Sakamoto, K. Effect of joint angle on the magnitude of muscle damage to the elbow flexors. Medicine and Science in Sports Exercise: 33(1):22-29 (2001)