quinta-feira, 2 de março de 2017

HIIT: uma leitura crítica

O acúmulo de gordura abdominal é um preditor para doenças cardiovasculares, diabetes e diversos marcadores inflamatórios. Por esse motivo, intervenções para otimizar a perda de gordura, especificamente nessa região, têm sido pesquisadas. Nesse sentido, o treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT) ganhou manchetes, aparece como "salvação" contra a obesidade dentre "gurus" do fitness, instragrans etc. Mas, embora ainda não tenhamos estudos suficientes para estabelecer um alto grau de evidência, vamos ver o que a literatura tem demonstrado e ter muito cuidado ao ler e interpretar os resultados (por isso já disse em meu instagram várias vezes e repito, estudos científicos não podem cair nas mãos de qualquer um).
Vamos iniciar com dois estudos que demonstram superioridade do protocolo intervalado de alta intensidade. No estudo de Maillard e colaboradores (2016), foi comparado um protocolo de 60 tiros de 8 segundos (77-85% Frequência cardíaca máxima) com outro de 40 minutos a 55-60% FCmáx. O protocolo foi realizado duas vezes por semana, durante 16 semanas em 71 mulheres com diabetes tipo II. A perda de gordura foi semelhante nos dois grupos, sendo que no grupo de alta intensidade, houve maior perda de gordura abdominal subcutânea e visceral. No estudo de Cheema e colaboradores (2015), foi comparado um treino intermitente de box versus uma leve caminhada. Em todos os parâmetros, o treino intermitente foi superior (VO2máx, diminuição do percentual de gordura, diminuição da pressão sistólica etc).
Em ambos os estudos, há limitações metodológicas que podem comprometer os resultados. No estudo de Maillard e cols (2016), apenas compararam a ingesta calórica dos indivíduos e viram que não havia diferenças, ou seja, não propuseram o mesmo déficit calórico individualmente. A intensidade foi ajustada pela frequência cardíaca máxima (em academias, na prática, pode ser um bom marcador de intensidade; mas não seria um padrão ótimo para pesquisa científica). E, assim como no estudo de Cheema e cols (2015), o gasto calórico total de ambos os protocolos não foi informado ou mensurado. No estudo de Cheema, a dificuldade em comparar os protocolos é mais complicada, pois foi realizado um treino de box (que apresentou maior aderência da amostra), com a mensuração da intensidade através de um monitor cardíaco, sem dados sobre gasto calórico.
O recente estudo de Zhang e cols (2017) equalizou os protocolos com o mesmo gasto calórico (300 KJ/sessão) e não demonstraram diferenças na perda de gordura, diminuição da gordura abdominal ou visceral. No estudo de Lazzer e cols (2016), realizado em adolescentes obesos, tiveram o cuidado de controlar a ingestão calórica, promover uma educação nutricional em três diferentes protocolos: baixa intensidade (40% VO2máx.); alta intensidade (70% VO2máx.; e HIIT. O VO2máx. aumentou de forma mais acentuada no grupo de alta intensidade e HIIT. Todos os grupos exercitados perderam gordura corporal, mas o grupo de baixa intensidade foi superior.
E quando combinamos musculação (treino resistido ou RT), realizando o treino concorrente? Muito  se diz sobre uma interferência no treino aeróbico de moderada intensidade (AE) na massa muscular para quem realiza musculação (embora muitas pesquisas demonstram ser mínimo ou inexistente) e que a realização de HIIT seria superior. O estudo de Fyfe e cols (2016) mensurou o ganho de massa magra em três grupos: RT, RT+HIIT, AE+RT. O grupo que só realizou RT aumentou 4,1+-2,0% de massa magra; o grupo AE+RT aumentou 3,6+-2,4% de massa magra; o grupo RT+HIIT aumentou apenas 1,8+-1,6% de massa magra.



Para complicarmos ainda mais essa questão, todos os estudos que compararam aeróbico de intensidade moderada contra HIIT, o fizeram em intensidades diferentes, mas sempre o primeiro contínuo e o segundo intervalado. O que aconteceria se ambos os protocolos fossem intervalados? Jimenez-Pavon e Lavie (2017) encontraram apenas 3 estudos que fizeram o exercício moderado de maneira intermitente, como o HIIT, e não encontraram diferenças nos resultados. Aí temos o questionamento: é a intensidade ou o modo do estímulo (intermitente ou contínuo) que pode trazer benefícios? Teríamos então o treinamento moderado intermitente?

Não estou aqui dizendo que o HIIT não possui benefícios. Claro que emagrece, promove modificações positivas em diversos marcadores... Caso você realmente não possui tempo e/ou apresenta maior aderência a essa metodologia, continue aonde está. Mas tenham muito cuidado em afirmar categoricamente a superioridade de um método sobre outro, ainda mais vindo de "gurus" do fitness sem qualquer trabalho original publicado em periódicos ou que apenas observam as conclusões dos estudos, sem terem a mínima noção de interpretar e analisar suas limitações. Lembrem-se, muitos apenas querem vender livros, cursos ou a imagem.

Referências

Cheema BS, Davies TB, Stewart M, Papalia S, Atlantis E. The feasibility and effectiveness of high-intensity boxing training versus moderate-intensity brisk walking in adults with abdominal obesity: a pilot study. BMC Sports Sci Med Rehabil. 2015 Jan 16;7:3. doi: 10.1186/2052-1847-7-3. eCollection 2015.


Jiménez-Pavón D, Lavie CJ. High-intensity intermittent training versus moderate-intensity intermittent training: is it a matter of intensity or intermittent efforts? Br J Sports Med. 2017 Jan 30. pii: bjsports-2016-097015. doi: 10.1136/bjsports-2016-097015.

Lazzer S, Tringali G, Caccavale M, De Micheli R, Abbruzzese L, Sartorio A. Effects of high-intensity interval training on physical capacities and substrate oxidation rate in obese adolescents. J Endocrinol Invest. 2017 Feb;40(2):217-226. doi: 10.1007/s40618-016-0551-4. Epub 2016 Sep 17.

Maillard F, Rousset S, Pereira B, Traore A, de Pradel Del Amaze P, Boirie Y, Duclos M, Boisseau N. High-intensity interval training reduces abdominal fat mass in postmenopausal women with type 2 diabetes. Diabetes Metab. 2016 Dec;42(6):433-441. doi: 10.1016/j.diabet.2016.07.031. Epub 2016 Aug 24.

Zhang H, Tong TK, Qiu W, Zhang X, Zhou S, Liu Y, He Y. Comparable Effects of High-Intensity Interval Training and Prolonged Continuous Exercise Training on Abdominal Visceral Fat Reduction in Obese Young Women. J Diabetes Res. 2017;2017:5071740. doi: 10.1155/2017/5071740. Epub 2017 Jan 1.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Treino tradicional, drop-set ou pirâmide?

Muito tenho falado aqui no blog sobre intensidade e sua importância no treino. Porém, com os "modismos" da alta intensidade, boa parte dos treinadores e entusiastas esquecem que o volume de treino também é importante.
Muitos estudos sobre alta intensidade pecam ao comparar os treinos, porque não equalizam corretamente o volume de treino. 
Recentemente, um grupo de pesquisadores brasileiros compararam os efeitos na força e massa muscular do treino tradicional, pirâmide crescente e drop-set. Foram utilizados 37 indivíduos treinados (uma média de 6 anos de prática), sendo que ainda passaram por um treinamento de 2 semanas antes de iniciar o estudo. Após o treino, era fornecida uma dose com 30 gramas de whey protein.


Digno de nota, foi o desenho experimental. Numa perna, era aplicado o treino tradicional e noutra, ou  pirâmide crescente ou drop-sets. Há vantagens e desvantagens com relação a isso, porém os ganhos de força obtidos e o histórico prévio de treinamento podem ter diminuído a interferência cruzada do treinamento entre os membros (indivíduos não treinados são mais suscetíveis).
Em todos os casos, houve aumentos similares na força e massa muscular. Ou seja, quando se treina numa intensidade suficiente, com o mesmo volume de treino, os resultados serão os mesmos. Variáveis de intensidade são interessantes para não deixar o treino monótono, otimizar tempo caso precise aumentar o volume; mas não havendo uma boa relação entre volume e intensidade, os resultados não virão. Consulte um profissional, não acredite em qualquer artigo que "experts" de internet postam (todo artigo deve ser lido, interpretadas suas limitações).


Referência
Angleri V, Ugrinowitsch C, Libardi CA. Crescent pyramid and drop-set systems do not promote greater strength gains, muscle hypertrophy, and changes on muscle architecture compared with traditional resistance training in well-trained men. Eur J Appl Physiol. 2017 Jan 27. doi: 10.1007/s00421-016-3529-1. 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Você sabe tudo sobre Whey Protein?


A proteína do soro do leite, popularmente conhecida como whey protein, é extraída a partir do processo de fabricação do queijo. Seu alto valor nutricional é devido a vários fatores, dentre eles ao alto teor de cálcio, peptídeos bioativos do soro, grande quantidade de leucina (um aminoácido extremamente anabólico), glutamina, entre outros. Devido a isso, diversos estudos têm focado na sua aplicabilidade no esporte, por seus efeitos sobre a síntese protéica muscular esquelética, redução da gordura corporal, modulação da adiposidade, melhora do desempenho físico, do sistema imunológico e, através de seus compostos bioativos, outros benefícios para a saúde humana.


Existem diversos tipos de whey protein, de acordo com seu processo de filtragem:

- Whey Protein Concentrado: para preparos de shakes com alta concentração de Whey Protein e baixa quantidade de carboidratos e gordura (ou seja, ainda contém a lactose e a gordura do leite, mesmo que em baixas concentrações). Recomenda-se para qualquer hora do dia.

- Whey Protein Isolado: O tipo de Whey Protein mais concentrado e de maior valor biológico. Geralmente são isentos de gordura, carboidratos e lactose. Poucos minutos após seu uso, seus aminoácidos já estão disponíveis na corrente sanguínea, por isso é recomendado especialmente para logo após acordar e depois de malhar ou praticar exercícios intensos.

Whey Hidrolisado: a proteína passou por um processo de "quebra", disponibilizando uma proteína já digerida (aminoácidos livres), acelerando a velocidade de absorção. O whey isolado 100% hidrolisado é livre de lactose e gordura e possui cerca de 99% de proteína não desnaturada.

- Whey Time-Release: Whey especial, composto de grandes peptídeos para uma liberação mais prolongada, evitando assim o catabolismo (quebra dos músculos). Ideal para antes de dormir.

As proteínas solúveis do soro do leite apresentam um excelente perfil de aminoácidos, caracterizando-as como proteínas de alto valor biológico. Possuem peptídeos bioativos do soro, que conferem a essas proteínas diferentes propriedades funcionais. Os aminoácidos essenciais, com destaque para os de cadeia ramificada, favorecem o anabolismo, assim como a redução do catabolismo protéico, favorecendo o ganho de força muscular e reduzindo a perda de massa muscular durante a perda de peso. O alto teor de cálcio favorece a redução da gordura corporal, por mecanismo associado ao hormônio 1,25 (OH)2D. Melhoram, também, o desempenho muscular, por elevarem as concentrações de glutationa, diminuindo, assim, a ação dos agentes oxidantes nos músculos esqueléticos. Exercem papel importante na saúde humana, como, por exemplo, no controle da pressão sanguínea e como agente redutor do risco cardíaco. Além disso, as proteínas do soro têm sido muito utilizadas pela indústria de alimentos, em diferentes áreas. Novos estudos in vivo e epidemiológicos são necessários para avaliar a real eficácia de seus componentes. O enriquecimento de alimentos com as proteínas do soro, como bebidas, por exemplo, facilitaria seu consumo e o estudo em grandes grupos populacionais.

Referência Bibliográfica:

Fabiano Kenji HaraguchiI; Wilson César de Abreu; Heberth de Paula. Proteínas do soro do leite: composição, propriedades nutricionais, aplicações no esporte e benefícios para a saúde humana. Rev. Nutr. vol.19 no.4 Campinas July/Aug. 2006

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Dietas Hiperproteicas e Massa Muscular

Estamos no verão, período após as festas de fim de ano regadas a muita comilança. Para muitos, começa a preparação para o carnaval. Eis que surgem os interessados em caminhos mais rápidos. Uma das dietas mais procuradas são as que preconizam baixas quantidades de carboidratos e um aumento na quantidade de proteína.
Muitos estudiosos criticam esse tipo de dieta, argumentando que pode provocar perda de massa muscular, devido desaminação de aminoácidos (neoglicogênese) do tecido muscular, transformando-os em glicose para diversas funções (desde manter a glicemia, estocar glicogênio hepático ou ativar o metabolismo energético).


Devido a isso, recentemente foi publicado um estudo de Amamou e colaboradores (2017) sobre como reagimos a esse tipo de dieta. E a musculação (treino de força) traria algum benefício? O estudo foi realizado em idosos (60-75 anos) e foram divididos em dieta hiperproteica e dieta hiperproteica com treino de força.
Ambos os grupos perderam a mesma quantidade de gordura, diminuíram a glicemia em jejum, triglicerídeos e colesterol. Porém, o grupo que fez apenas dieta perdeu massa muscular, enquanto o grupo que adicionou o treino de força, a manteve.
Dietas hiperproteicas se mostram uma boa opção para a perda de gordura. Entretanto, para um emagrecimento com qualidade, visando manutenção da massa muscular (evitando a diminuição do metabolismo e, com isso, o efeito sanfona posterior), recomenda-se fortemente a adição concomitante do treinamento de força. Óbvio que esse tipo de dieta possui outras desvantagens, como o fraco aporte de vitaminas, substâncias antioxidantes, entre outros. Por isso, se faz necessária a orientação por um profissional capacitado para avaliar o custo-benefício, quanto tempo poderia se fazer a dieta e estratégias para compensar, mesmo que por um tempo, as deficiências desse tipo de dieta.


Amamou T, Normandin E, Pouliot J, Dionne IJ, Brochu M, Riesco E. Effect of a High-Protein Energy-Restricted Diet Combined with Resistance Training on Metabolic Profile in Older Individuals with Metabolic Impairments. J Nutr Health Aging. 2017;21(1):67-74.